Cinema
Mais uma obra monumental de Marco Bellocchio, quando um filme é mais do que uma boa história
“O Sequestro do Papa” foca um caso bizarro na Igreja em 1858 como representação simbólica das rupturas da política italiana. Resumindo assim parece um filme “cabeça”, mas é belíssimo e envolvente
Nos últimos tempos, um elogio se tornou cada vez mais comum em críticas de filmes: tal cineasta sabe contar bem uma história. OK, é um elogio, mas faz muita falta aquele tipo de diretor que não apenas conta histórias, mas faz bom cinema. No entretenimento moderno, tudo é extremamente calculado para cumprir padrões pré-estabelecidos. Os filmes, mesmo bons, ficam um tanto parecidos. Onde estão os novos artistas atrás das câmeras? Bom, alguns antigos mestres insistem em mostrar como se faz a coisa. Ainda está em algumas salas o ótimo “A Ordem do Tempo”, da italiana Liliana Cavani, que acaba de completar 90 anos. Um grande filme, já indicado na TORPEDO. Agora é a vez dos cinemas exibirem “O Sequestro do Papa”, de outro gigante italiano, Marco Bellocchio, 85 anos. É um filme em que ele mescla dois temos caros em sua carreira: os mecanismos da Igreja Católica e os processos de formação e ruptura na história da Itália.
Já que é praticamente impossível achar no streaming as principais obras do diretor, como “De Punhos Fechados”, “O Diabo no Corpo” ou “Bom Dia, Noite”, é bom aproveitar esse longa no qual cada cena tem um ritmo próprio, com mudanças sensoriais numa primorosa utilização da música e da luz, em sequências cativantes. É cinema que se diz, não? Enfim, como nos títulos mais recentes de sua vasta filmografia, este aqui se dedica a expor entranhas da Igreja Católica. O mote é bizarro, apesar de ser um fato real. Em 1858, um garoto judeu, Edgardo, de seis anos, é sequestrado da casa de sua família, em Bolonha, sob ordens do papa Pio IX. A justificativa é um suposto batismo furtivo que teria sido realizado logo após seu nascimento, o que tornaria o menino um cristão. Levado para Roma, vai passar os 20 anos seguintes crescendo ali, com suas crenças divididas entre duas doutrinas.
O pano de fundo é o processo da unificação do poder na Itália da época, e o episódio do sequestro ganha notoriedade internacional. A narrativa é fascinante. O talento de Bellocchio é que, mesmo retratando o sequestro brutal e vergonhoso, não procura tratar como pura vilania a ação da Igreja em relação a Edgardo. Os religiosos que cuidam dele demonstram muita bondade e um amor evidente pelo menino. Aos poucos, o público acompanha como Edgardo vai sendo absorvido por um novo mundo. Simbologia da Itália entrando numa nova era política? Talvez. Bellocchio tenta mostrar a inevitabilidade de forças que conduzem a vida das pessoas, por mais perversas que possam ser. O trailer pode ser visto aqui.
Fonte: Thales de Menezes
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