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Literatura

Almodóvar, Leonard Cohen e bons romances

Almodóvar, Leonard Cohen e bons romances
Publicado em 14/08/2024 às 13:08

Disparos especiais vão trazer algumas opções bacanas que chegaram às livrarias. Sem restrição de gênero, basta ser legal…

MEMÓRIA

Pedro Almodóvar e sua singular quase autobiografia

O cineasta espanhol Pedro Almodóvar tem um talento impressionante para contar histórias relevantes a partir de elementos mínimos. “Volver”, um de seus muitos ótimos filmes, coloca a protagonista vivida por Penélope Cruz conversando com tias idosas numa cidadezinha e só com isso Almodóvar consegue passagens que tocam de forma profunda quem está assistindo. Então, nada mais óbvio do que ele conseguir fazer o mesmo com suas próprias vivências. “O ÚLTIMO SONHO”, uma quase autobiografia lançada pela Companhia das Letras, tem uma dúzia de textos que ecoam momentos diferentes de sua vida. Alguns episódios, como a educação repressora nos colégios religiosos, já foram transformados em componentes dramáticos em filmes do diretor. Mas cada um desses textos curtos tem muito a revelar sobre artista e obra. O mais interessante, em qualquer capítulo que seja o escolhido para a leitura, é perceber como a esperteza que tantas vezes Almodóvar demostrou ao lidar com produtores idiotas, críticos ferinos e estrelas bufas do cinema está impregnada na narrativa. O espanhol é crítico, ao extremo, mas também carinhoso ao reviver casos pessoais e profissionais. E fica evidente sua visão singular do mundo. Quem gostar do cinema de Almodóvar, mesmo que tenha visto poucos de seus filmes geniais, não tem desculpa para deixar de ler “O Último Sonho”. Para conferir também a escrita ficcional de Almodóvar, dá para achar nas lojas o volume lançado pela Tusquets no ano passado, reunindo os mais antigos “Patty Diphusa” e “Fogo nas Entranhas”.

ROMANCE

Cláudia Piñero desenterra um crime abominável

Curiosamente, a divulgação publicitária do novo romance de Cláudia Piñero lançado no Brasil utiliza um comentário de Pedro Almodóvar: “Terminei de ler ‘Catedrais’, um romance que me deixou totalmente envolvido por três dias. Fico me perguntando se há uma possível adaptação para o cinema.” Provavelmente não. Será difícil que a tela consiga captar todas as nuances e pequenas pistas que a escritora argentina elenca em “CATEDRAIS”, lançado originalmente em 2020. Escritora de romances policais que é best-seller em seu país, Cláudia Piñero coloca no centro da trama o corpo esquartejado e queimado de uma adolescente. Cerca de 30 anos depois, o caso do cadáver encontrado num terreno baldio continua sem solução. A autora vai se debruçar sobre os efeitos da morte entre a família e os amigos da jovem, que segue como um fantasma rondando a todos. Novos elementos vão sendo agregados ao relato, contemplando preconceitos, instituições tacanhas e ideologias radicais. Uma história secreta de abominável crueldade vai sendo revelada, e a escrita refinada da argentina segura o interesse até a última página. O livro sai aqui pela Primavera Editorial. Não há muitas opções de traduções em português das obras da autora encontráveis na livrarias. Mas ainda bem que outro romance impecável escrito por ela, “Elena Sabe”, acaba de ganhar edição brasileira pela Morro Branco.

ROMANCE

Leonard Cohen delira entre comédia e erotismo

“Eu nem odeio mais os livros. Já esqueci quase tudo o que li e, francamente, nem eu nem o mundo perdemos muito com isso.” A frase, retirada do contexto, pode parecer pertencer a uma obra que questiona a própria literatura. “BELOS FRACASSADOS” não vai nessa direção. Ao contrário. O romance que o genial cantor, compositor, poeta e escritor canadense Leonard Cohen (1934-2016) lançou em 1966, antes de iniciar sua carreira na música, é por si só uma louvação às palavras ordenadas para transmitir ideias. Bem, não tão ordenadas assim, porque o romance é uma narrativa delirante em que autor e personagens estão turbinados por substâncias que levam além dos estados normais da percepção. O narrador, obcecado por uma indígena canadense que se transforma numa santa católica, é uma metralhadora disparando prosa cômica e erótica. Publicada pela primeira vez no Brasil, pela Todavia, a edição chega com uma tradução trabalhosa e engenhosa de Daniel de Mesquita Benevides, conhecedor da obra literária e musical de Cohen a ponto de desvendar passagens que são quase intransponíveis no texto original. “Belos Fracassados” merece como poucos aquela definição clichê “o retrato de uma época”. E Leonard Cohen é um retratista e tanto.

ROMANCE

Jessica Anya Blau faz humor corrosivo com hippies

Já existe uma espécie de subgênero literário só de trabalhos que revisitam os anos 1960 e 1970 tentando trazer humor e reflexão, principalmente humor, na transição de comportamento provocada pela contracultura. A americana Jessica Anya Blau tem lançado agora no Brasil, pela Buzz, o muito engraçado “MARY JANE”. A protagonista é uma garota tímida e bem comportada que vive num mundinho feliz com a família conservadora e o colégio chatinho.. Para ganhar um trocado, ela aceita ser babá para uma família conceituada no bairro. E ela entra literalmente em outro mundo quando dá de cara com uma família hippie até a medula. Além de um choque social considerável, a coisa piora quando ela descobre que o chefe da casa, tido como médico respeitado, é um psiquiatra que cuida de um astro do rock que chafurda em drogas. Com esses elementos, a autora consegue construir um livro irresistível. , Jessica tem pelo menos mais dois romances que merecem lançamento urgente no Brasil, e ambos esbanjam as mesmas sagacidade e ironia de “Mary Jane”. Os títulos, em tradução literal, já entregam o humor da autora: “Bebendo Mais Perto de Casa” e “O Verão das Festas para Nadar Pelado”. Quem domina o inglês pode correr atrás de “Drinking Closer to Home” e “The Summer of Naked Swim Parties”.

PSICOLOGIA

Jonathan Haidt ataca de frente a juventude ansiosa

Professor na Stern School of Business da Universidade de Nova York, o americano Jonathan Haidt é um dos grande pensadores do momento se o tema é moralidade. Ele apresenta agora um diagnóstico assustador para crianças e adolescentes hiperconectados: privação de sono, privação social, fragmentação da atenção e vício. Pode parecer apenas mais um sujeito um pouco esperto apontando o óbvio, mas sua argumentação sobre isso torna simplesmente obrigatório “A GERAÇÃO ANSIOSA”, lançado agora no Brasil pela Companhia das Letras. Psicólogo social, Haidt não fala apenas para pais preocupados. Ele discute como essa migração jovem do mundo real para o ambiente virtual está distorcendo os papeis sociais de forma contundente. Quanto mais provocador ele se assume durante o texto, mais dados ele despeja nas páginas, com vários gráficos. A proposta do professor é simples: deslocar as ferramentas de tecnologia do centro do comportamento pessoal. Difícil é encontrar a maneira de fazer isso. Quem gostar do livro, e é só ler para gostar, pode arriscar outros dois títulos do autor: “A Mente Moralista” (2020), pela Alta Cult, e “A Hipótese da Felicidade: Encontrando a Verdade Moderna na Sabedoria Antiga” (2022), pela LVM.

Fonte: Thales de Menezes

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